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A Teoria de nicho e A teoria neutra da ecologia

Um dos principais objetivos da ecologia é compreender os fatores que determinam a distribuição e a abundância das espécies. A maioria das inferências teóricas sobre os fatores que determinam a distribuição e abundância das espécies nas comunidades atualmente baseia-se em duas teorias conflitantes: a Teoria de Nicho, formalizada por George E. Hutchinson1, e a Teoria Neutra da Biodiversidade de Stephen Hubbell2.

O conceito de nicho proposto por Hutchinson, em 1957, é o mais aceito e mais utilizado atualmente e define o nicho como um hipervolume n-dimensional, onde cada dimensão representa os limites de uma variável biótica (e.g. recurso) ou abiótica (e.g. temperatura, umidade) em que a espécie pode sobreviver. O espaço n-dimensional constitui o nicho fundamental, aquele que seria ocupado pela espécie caso não haja nenhum tipo de interação negativa com as outras espécies da comunidade (e.g. predação, competição, parasitismo). A parte do nicho fundamental que é efetivamente ocupada pela espécie, removendo o que não é ocupado em razão das interações negativas, constitui o seu nicho realizado. No entanto, a interação pode aumentar o nicho realizado da espécie em alguns casos raros, como nos casos de facilitação, situação na qual uma espécie torna o ambiente mais adequado para a presença de outra. A percepção do efeito das interações positivas sobre o nicho realizado levou a discussões entre pesquisadores sobre a possibilidade nicho realizado ser maior do que o nicho fundamental3.

Hutchinson sugeriu ainda que a competição impõe um limite para a similaridade das espécies que coexistem em um determinado ambiente4. Ele propôs essa hipótese em seu trabalho clássico “Homage to Santa Rosalia”, no qual demonstrou a diferenciação no tamanho de insetos aquáticos de morfologia e dieta muito similar, vivendo nas mesmas poças, e observou que o tamanho da espécie menor se estabilizava em cerca de 75% do tamanho da maior. Além disso, ele comparou o tamanho de pares de espécies do mesmo gênero pertencentes as classes dos mamíferos (roedores, mustelídeos) e das aves e concluiu que o tamanho das espécies em simpatria era mais diferente do que em alopatria. Ele associou essa diferenciação de tamanho à competição entre as espécies.

MacArthur e Levins (1967), construindo sobre as hipóteses de Hutchinson, sugeriram que o limite para a similaridade levaria a um limite no número de espécies competidoras que podem coexistir em um ambiente5. O número total de espécies (riqueza) seria proporcional a área total do ambiente dividida pela largura do nicho da espécie. Assim haveria um número máximo de espécies que levaria a saturação do ambiente. Então a riqueza e a composição de espécies da comunidade, bem como as interações entre as espécies, seriam determinadas pelas características ambientais.

O conceito de nicho tornou-se um dos pilares do pensamento ecológico e, desde então, esse conceito e toda a teoria associada a ele vem sendo usado para explicar e para prever a distribuição e abundância das espécies nas comunidades biológicas. Assim, assume-se a premissa de que a variação na diversidade entre áreas reflete a maneira pela qual as condições físicas influenciam a coexistência de espécies. Assim, a riqueza de espécies deve variar em relação direta com o meio ambiente, especialmente o clima. Estudos frequentemente encontram correlação significativa entre a riqueza de espécies e as condições físicas do ambiente (e.g. temperatura e disponibilidade de água), embora algumas exceções importantes tenham sido detectadas.

As diferenças na diversidade entre regiões geográficas diferentes, mas com habitats semelhantes, são chamadas de anomalias de diversidade. Um bom exemplo, foi aquele citado no texto anterior do blog: os ambientes de manguezal que abrigam seis vezes mais espécies de árvores e arbustos no Hemisfério Oriental do que em ambientes similares no Novo Mundo. Um estudo6 de divergência entre as linhagens de árvores dos manguezais e espécies filogeneticamente mais próximas em ambientes terrestres, associado a evidências fósseis, indicou que a anomalia de diversidade na vegetação de mangue reflete diferenças na taxa de origem de novas linhagens de manguezais entre as regiões e não está diretamente associada as restrições ambientais locais.

As anomalias de diversidade indicam que os fatores regionais e históricos em grande escala podem influenciar a riqueza de espécies local mais do que as condições ambientais em determinadas situações. Um outro fator que pode influenciar a composição de espécies independente das características ambientais locais é a dispersão. Espécies com alta capacidade de dispersão conseguem, em determinadas situações, manter populações em ambientes sub-ótimos em uma dinâmica de fonte-sumidouro.

Em 2001, Stephen Hubbell propôs a Teoria Neutra da Biodiversidade e Biogeografia, como um processo não-determinístico, alternativo à teoria de nicho, para explicar a montagem de comunidades. A premissa dessa teoria é que se considera uma “simetria” entre os indivíduos de todas as espécies em um mesmo nível trófico. Assim, os indivíduos de todas as espécies no mesmo nível trófico apresentariam habilidades competitivas e capacidade de dispersão similares, e a variação na frequência relativa das espécies seria aleatória.

A dinâmica da diversidade de espécies passa a ser, então, resultado do balanço entre a probabilidade de perda (extinção, emigração) e de ganho (imigração, especiação) de espécies. O sistema é regido por uma regra geral de limitação de recursos: o “somatório-zero”, que significa que uma espécie não pode aumentar sem que esse efeito seja contrabalanceado pela diminuição da abundância de outras espécies presentes. Assim, o total de indivíduos por unidade de área é constante. Como todos os indivíduos são equivalentes na capacidade de dispersar e na habilidade competitiva, a probabilidade de ocupar um espaço liberado por um indivíduo que morreu ou emigrou é proporcional a abundância relativa da espécie.

O somatório-zero é uma característica importante e interessante da teoria neutra porque ela fornece a explicação para um fenômeno conhecido a longo tempo nas comunidades ecológicas e para o qual o mecanismo ainda não era satisfatoriamente explicado pela teoria de nicho: a distribuição de abundância log-normal das espécies. O padrão de distribuição de abundância mais comum nas comunidades ecológicas é que existem poucas espécies muito abundantes e muitas espécies raras. Como o somatório-zero pressupõe que a probabilidade de colonizar um local vago em uma comunidade é função da abundância relativa das espécies, pressupõe-se que as espécies mais abundantes tendem a ser cada vez mais abundantes e as raras cada vez mais raras, o que explicaria a distribuição log-normal. Então, seria esperado que essa dinâmica, por deriva, levaria ao estabelecimento de apenas uma espécie na metacomunidade inteira. No entanto, assume-se que o tempo para a deriva ecológica ocorrer é longo o suficiente para que novas espécies entrem no sistema vindas de outras comunidades, como em uma dinâmica fonte-sumidouro (source-sink), ou por especiação. A teoria neutra também é eficiente para explicar a relação espécie-área proposta na biogeografia de ilhas.

A teoria neutra, no entanto, tem limitações. A primeira limitação é que a teoria pode ser aplicada apenas a um nível da teia trófica, por exemplo, ela pode explicar a diversidade de árvores ou a diversidade de insetos herbívoros, mas não explicaria o número de espécies arbóreas e de insetos herbívoros juntos em uma área. O próprio autor da teoria sugere que ela deve ser mais eficiente para explicar a diversidade de plantas ou microrganismos do que de animais, porque é mais comum que diferentes espécies de plantas ou de microrganismos se sobreponham na forma de explorar os recursos. Além disso, a eficiência do modelo varia com as escalas espaciais. Por exemplo, as plantas alpinas são claramente adaptadas à condições diferentes daquelas em que plantas na floresta tropical prosperam. Então, em uma escala que inclua os dois biomas, apenas a teoria de nicho pode explicar a distribuição das espécies.

Um estudo nas florestas panamenhas e amazônicas indicou que a dispersão aleatória poderia explicar padrões de diversidade de árvores entre diferentes áreas em escalas entre 0,2 e 50 quilômetros quadrados. No entanto, a teoria neutra falhou em escalas menores e maiores. Um estudo de mosquitos que se alimentam de bétulas na Finlândia, mostrou que as espécies são especializadas para se alimentar de folhas de uma determinada idade também foi citado como evidência contra as interpretações mais fortes de neutralidade.

A grande questão é se a biodiversidade realmente resulta de processos ecológicos neutros – indicando que os ecólogos superestimaram a importância do nicho – ou se a precisão dos modelos é uma coincidência. Alguns ecólogos acreditam que os modelos neutros são mais úteis como uma “hipótese ecológica nula” para revelar as diferenças entre suas previsões e ecossistemas reais. Outros apontam que modelos baseados em nichos também podem produzir uma boa descrição do mundo natural. Hubbell7 diz que teorias que enfatizam a importância do nicho geralmente têm de ser muito mais complexas do que modelos neutros para alcançar resultados superiores.

Hubbell7 defende ainda que a teoria neutra pode ser importante para a biologia da conservação e que os pressupostos da teoria neutra podem ser mais úteis do que os pressupostos da teoria de nicho para defender a criação de reservas naturais grandes. O argumento seria de que se as espécies forem estreitamente adaptadas a um nicho ecológico, as comunidades serão relativamente estáveis e difíceis de invadir e as reservas podem ser pequenas. No entanto, se as espécies são mais parecidas, e vêm e vão ao acaso, as comunidades serão mais fluidas, e maiores reservas serão necessárias para proteger as espécies raras das estocasticidade.

Uma linha de raciocínio análoga poderia levar a questão: Se as espécies de cada nível trófico são essencialmente todas iguais, importa se perdemos uma delas? É importante chamar a atenção do quão perigosa é essa linha de raciocínio, porque mesmo em uma comunidade predominantemente neutra é plenamente possível que algumas espécies sejam especialistas. Se apenas 1% das espécies desempenhar uma função ecológica vital e específica, embora isso cause pouca ou nenhuma influência nas previsões estatísticas dos modelos ecológicos neutros, a perda dessas espécies poderia levar ao colapso de um ecossistema previamente saudável.

Alguns ecólogos acham impossível aceitar que as teorias neutras possam produzir uma visão real dos processos ecológicos. Eles também apontam para a dificuldade de validar o modelo de Hubbell, uma vez que o modelo inclui parâmetros que não podem ser facilmente medidos, como a taxa na qual surgem novas espécies. Alguns críticos afirmam que embora os modelos neutros sejam intrigantes, eles não esclarecem os processos que geram os padrões e isso dificulta o avanço da ciência.

De qualquer forma, a aceitação da teoria neutra vem aumentando na ecologia. O debate pode ser comparado com aquele entre geneticistas populacionais, que discutiam se as mudanças nas frequências genéticas são impulsionadas principalmente pela seleção natural ou por deriva genética aleatória. Após a resistência inicial, a maioria dos pesquisadores agora aceita que a deriva genética pode ser um fator significativo. É provável que um consenso semelhante ocorra no campo da ecologia. Logue e colaboradores8 propôs em uma revisão sobre metacomunidades em 2011 que o mais provável é que as comunidades devem se localizar em uma situação intermediária em um contínuo nicho-neutro.

Referências

1. Hutchinson, G. E. Concluding remarks. Quant. Biol. 22, 415–427 (1957).

2. Hubbell, S. P. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. (Princeton University Press, 2001).

3. Rodriguez-Cabal, M. A., Barrios-Garcia, M. N. & Nunez, M. A. Positive interactions in ecology: filling the fundamental niche. Ideas Ecol. Evol. (2012). doi:10.4033/iee.2012.5.9.c

4. Hutchinson, G. E. Homage to Santa Rosalia or why are there so many kinds of animals? Am. Nat. 93, 145–159 (1959).

5. MacArthur, R. & Levins, R. The limiting similarity, convergence, and divergence of coexisting species. Am. Nat. 101, 377–385 (1967).

6. Ricklefs, R. E. & Latham, R. E. Global patterns of diversity in mangrove floras. Species Divers. Ecol. communities 215–229 (1993).

7. Baker, O. Interview with Steve Hubbell. Sci. Am. (2002).

8. Logue, J. B., Mouquet, N., Peter, H. & Hillebrand, H. Empirical approaches to metacommunities: a review and comparison with theory. Trends Ecol. Evol. 26, 482–91 (2011).

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